RESSIGNIFICAÇÕES E POSSIBILIDADES: AS INTERFACES DA JUSTIÇA RESTAURATIVA E DA EDUCAÇÃO NA CIDADE DE SANTOS /SP
Abstract
Desde seus primórdios, na década de 70, quando surge como uma prática de humanização e de pacificação das relações sociais envolvidas num conflito – em experiências pioneiras no Canadá, EUA e Nova Zelância –, a Justiça Restaurativa (JR) vem se fortalecendo, como uma possibilidade de enfrentamento para as questões que envolvam conflitos, violência e criminalidade. Presente na realidade brasileira, a partir de 2004, quando – ainda em forma embrionária e vinculada ao Judiciário – passa a integrar algumas iniciativas isoladas, a Justiça Restaurativa vem se consolidando e se multiplicando desde então. Para Leoberto Brancher, um dos magistrados pioneiros em tal iniciativa, o diferencial de tais práticas reside em promover um empoderamento de indivíduos e de comunidades para a pacificação de conflitos, de forma a interromper as cadeias de reverberação da violência, abrindo espaços de reflexão sobre as práticas da justiça formal – essencialmente retributiva e punitiva – a partir de uma ética baseada no diálogo, na inclusão e na responsabilidade social. Enfatizando, portanto, a importância da negociação, da mediação e do diálogo para a solução de conflitos – em consonância com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) –, a Justiça Restaurativa vem se consolidando, desde então, como um conjunto de práticas alternativas que aposta nas mudanças individuais – e, consequentemente, na transformação social –, tendo como valor fundamental a promoção da paz. Exatamente pela característica de constante abertura aos novos saberes e às novas parcerias e por seu caráter experimental e transformador, essas práticas ganharam diferentes contornos a partir das suas primeiras experiências – no Rio Grande do Sul, no Distrito Federal e no estado de São Paulo. Assim, já nas suas origens, a riqueza de seu caráter múltiplo pôde ser observada e comprovada: se no Distrito Federal, sua aplicação vinculou-se inicialmente ao público adulto, foi com jovens, em cumprimento das medidas socioeducativas, que o Rio Grande do Sul iniciou suas práticas restaurativas, sendo que, em São Paulo, diferenciou-se pela rica parceria com a Educação e com projetos envolvendo as Varas Especiais da Infância e da Juventude. Justamente essa característica abrangente foi o que acabou favorecendo a diversidade e a multiplicidade de iniciativas que se seguiram, a partir dos projetos-piloto. Assim, no estado de São Paulo, o diferencial de tais práticas tem residido, significativamente, no caráter multifacetado de suas experiências, segundo enfatiza Egberto Penido, magistrado responsável pela implantação da Justiça Restaurativa em São Paulo – desde a experiência piloto de São Caetano do Sul, em 2005 –, e um de seus principais idealizadores. É exatamente sob essa perspectiva que Penido destaca que, nas experiências paulistas, a diretriz da Justiça Restaurativa tem se pautado, desde o início, pela capacidade de pertencer a todos os espaços e a todos os atores – à comunidade, às instituições privadas e públicas, ao sistema de justiça –, não podendo ser monopolizada por nenhuma instituição específica, exatamente por inscrever a sua legitimidade, a partir de uma atuação integrada, agencial e interinstitucional. É neste mesmo sentido que a educadora e psicóloga Monica Mumme – consultora da Seção Técnica da Justiça Restaurativa da Coordenadoria da Infância e Juventude do TJSP –, ressalta a importância de um olhar diferenciado e ampliado sobre as situações que envolvam violência. Destacando que as situações recorrentes de atos violentos têm, em sua essência, uma complexidade muito maior do que normalmente têm sido abordadas, Mumme afirma que as práticas restaurativas nascem, pois, da constatação de que os procedimentos habituais têm apresentado, reiteradamente, resultados pouco efetivos nas mudanças de comportamentos. Isso confirma, para Mumme, a noção de que a Justiça Restaurativa não se reduz e não se pode reduzir em absoluto, a uma técnica de resolução de conflitos, mas deve consistir em um conjunto de ações baseadas nas dimensões relacionais, institucionais e sociais. Assim, nesses dezessete anos de práticas restaurativas, no estado de São Paulo, destaca se o caráter de construção permanente inerente aos projetos restaurativos, onde as ações têm se desenvolvido sempre com base na compreensão da importância das dimensões relacionais, institucionais e sociais. A partir das muitas parcerias firmadas – como, por exemplo, com o Laboratório de Convivência, coordenado por Monica Mumme – foi possível observar um contínuo aprofundamento teórico da concepção norteadora do programa, bem como um expressivo aumento das ações restaurativas. Especialmente nos últimos cinco anos, tal fato pôde ser significativamente constatado com a implementação de diversos projetos e formação continuada de servidores e de técnicos, além da importante expansão das ações para outras comarcas, dentre elas, a comarca de Santos, o que possibilitou a implantação, o florescimento e o aprofundamento do trabalho da Justiça Restaurativa na Baixada Santista.
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